Contos

O armazém do Rincão

Sinara Foss


Na imobiliária várias propriedades à venda no interior de Vinha D’Alho. Felícia folheia o álbum de fotos à procura de um lugar para investir ou morar. Uma das imagens se destaca. Galhos de quatro plátanos secos pelo inverno criam figuras desconexas e escondem boa parte da casa ao fundo.
- O que era esse lugar? Não parece ser somente uma residência. – Felícia pergunta interessada.
O agente Ricardo caminha até a ponta da mesa para ver a foto que ela aponta.
- Essa propriedade fica no Rincão do Herval, era um armazém e também a morada da família.
Num sopro Felícia diz:
- Quero ver esse local!
-Veja as outras fotos também... Tem outras mais próximas da sede e...
- Eu quero ver essa! – Olha firme para Ricardo enquanto fala.
Ele concorda com a cabeça sem olhar para ela. No dia seguinte iriam até lá, bem cedo.

***

- Terminou o papel de embrulho, Alice! Traz outro, ligeiro!
A menina ouviu o pai gritar e correu. Levou com esforço um novo rolo de papel pardo que ele usava pra embrulhar a maioria das vendas, quase todas à granel. Sabia o quanto o pai detestava esperar. Aproveitou que ele a chamou, e ficou por ali. Caminhou até a frente da venda, onde uma grande área aberta dos lados circundava. Sabia que àquela hora Maurídes passaria por ali vindo da escola com sua égua moura.
Levantou os olhos para a estrada e viu que ao longe, depois da curva ele apontava. O coração pulou sem controle e o ar não chegou aos seus pulmões. O seu cabelo louro, um pouco comprido, dançou no vento com o trote da égua. Alice sentiu que ele a notou. Ao erguer a cabeça na estrada olhou em sua direção e ficou com as costas eretas.
Um dia,quando ficassem mais velhos, algo iria acontecer entre eles, isso era certo. Era o destino, era para ser! Ela sabia!
Mesmo de longe seus olhares se juntaram. A respiração se acelerou. Ele estava perto, ouvia o barulho dos cascos da égua no cascalho. Ia levantar a cabeça e ver se ele a olhava.
-“Aliiiice”- Ouviu o pai chamar - “Vai lá pra casa ajudar tua mãe com o almoço”.
Por uns instantes seus olhares se cruzaram. Maurídes amarrou a égua no palanque ao lado do plátano com suas folhas muito verdes, quase tanto quanto os seus olhos. Sua boca se abriu num suspiro. Ela tinha que ir,ela tinha sempre que obedecer ao pai. Mas os dois sabiam um dia poderiam ficar juntos.

***

-Quem morava nesta casa? - Felícia pergunta enquanto Ricardo desvia a camionete dos buracos na estrada
- Tenho os dados deles na pasta. Não são conhecidos, faz muito tempo que foram embora. Muito tempo mesmo... Nem devem estar mais vivos. Os netos que estão negociando...
- O que houve? - ele pressiona os lábios.
- Não sei exatamente. Houve um incêndio na casa. A filha mais velha do casal morreu. Desgostosos, arrendaram as terras e foram embora pra outra cidade. Essa propriedade está de mão em mão. Merece um dono caprichoso que cuide e...
- Como era o nome da menina? – Ela vira-se ansiosa pela resposta.
- Ah não sei. – Ricardo desvia os olhos da estrada por um momento e brinca:
- Que curiosidade!! - Depois fica em silêncio ao ver a seriedade da cliente.
Ela murmura com os olhos nos plátanos:
- “Alice”

Felícia abre a porta do carro ainda em movimento. Como se nunca tivesse saído dali, corre até o plátano que fica bem defronte a sua casa. Procura as iniciais no tronco esculpidas com faca , dentro de um coração. As letras ainda estão ali: A e M

 

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